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segunda-feira, agosto 30, 2004

Despenalize-se mas não se achincalhe!  

Há coisas demasiadamente sérias para serem tratadas sem rigor e com insensatez. Sobre a questão do aborto convém dizer que me parece absolutamente criticável o recurso a tal solução como método de controlo da natalidade. Mas cada um(a) sabe de si e num sistema penal como o português, em que a classificação de uma determinada conduta como crime e a consagração da respectiva sanção, têm por finalidade proteger os indivíduos das pessoas consideradas perigosas para a sociedade, não faz sentido a penalização do aborto. A meu ver a mulher que aborta não constitui qualquer espécie de perigo para a sociedade.
Não se justifica a previsão da aplicação de uma pena de prisão a uma mulher que, sabe-se lá em que circunstâncias e sobretudo com que dor, opta por interromper a sua gravidez e desta forma renuncia a um filho. Evidentemente que não ignoro que muitas o farão sem qualquer espécie de remorso e até quase na ignorância do acto que praticam. Recordo-me, a propósito, de ter ouvido há uns anos, no tempo de antena dos partidos políticos em época de campanha eleitoral – no caso do MRPP, se não estou em erro – uma militante com um misto de orgulho pelo facto e revolta pelas circunstâncias, dizer em voz estridente para os telespectadores que a viam, que tinha feito 18 abortos a si própria com uma agulha de croché. Com isto a dita senhora congratulava-se com o fim do Estado Novo e a mudança de regime. Assumia-se como uma vítima da falta de liberdade. Decorridos 30 anos estamos como se vê.
Outro assunto bem diferente é o “negócio” montado por quem ganha fortunas a fazer abortos sem meios que garantam os cuidados médicos indispensáveis a quem se entrega nas suas mãos. Exploradores da condição alheia com o único objectivo de ganhar uns valentes euros seja lá a que custo for, com o mínimo de investimento possível. Para estes já me parece que o direito penal pode guardar um cantinho no respectivo código garantindo-lhes um quartito atrás das grades por alguns anitos.
E agora o navio. Começa pelo nome e o verdadeiro “born deep” e o que lhe chamamos por cá: “barco do aborto”. Uma associação de péssimo gosto à série de televisão “Barco do Amor”. Depois o alarido. Se fosse noticiado de uma forma séria as pessoas entenderiam um pouco melhor o objectivo de tal digressão. A questão é que este género de iniciativas tem sempre associada uma dose de histerismo absolutamente insuportável.
Convém, acima de tudo, ter presente em todas as discussões públicas sobre o tema e nomeadamente em futuros debates prévios a um eventual referendo que por aí volte, que uma coisa é a reprovação do acto e, como já disse, o recurso ao aborto como forma de controlo da natalidade, outra, bem distinta, é a consagração de tal conduta como um crime previsto e punido na nossa lei penal. Basta de falsos moralismos!
Outra abordagem do assunto é feita pela vieira, aqui.

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